Hilab | 13 jun 2019
De acordo com o coordenador da Pastoral da Saúde, Alex Gomes da Motta, no Brasil, a cada dois segundos uma pessoa necessita de transfusão sanguínea para sobreviver, em algum hospital do país. Entretanto, todos os anos surge a necessidade de realizar campanhas para aumentar a doação de sangue, principalmente durante as estações mais frias.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, menos de 2% da população é doadora e, apesar de este número ser superior à recomendação da OMS, que é de 1%, não é suficiente para manter as demandas dos hemocentros.
Apesar dessa elevada carência de sangue e hemoderivados, muitas pessoas são impedidas de doar devido a regras ultrapassadas e com embasamento científico escasso, como a população LGBTQIA+. Este artigo decorrerá sobre esse cenário, mais um obstáculo a ser superado por esta parcela populacional que já tem barreiras suficientes a serem vencidas.
Segundo dados do IBGE, a população masculina homo ou bissexual e de homens que fazem sexo com homens (HSH) é de 10,5 milhões do total de 101 milhões de homens vivendo no país.
Cada homem está apto a realizar até 4 doações de sangue por ano, porém essa parcela da população está, de acordo com a legislação do Ministério da Saúde e recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), impedida de doar caso tenha qualquer parceria sexual nos últimos 12 meses, independente do uso de preservativo.
Anualmente, isso representa um desperdício de aproximadamente 19 milhões de litros de sangue. Entretanto, a própria OMS reitera que as evidências nas quais essas decisões se baseiam são limitadas ou escassas e estão apoiadas no que alguns médicos chamam de “comportamentos de risco”. A justificativa da OMS para a limitação dos doadores de sangue é que alguns comportamentos sexuais estão associados a maior risco de transmissão dos vírus do HIV, da Hepatite B e da Hepatite C.
Toda doação passa por um processo de triagem, no qual são realizados testes de detecção de patógenos e qualquer bolsa contendo sangue infectado é descartada. Ainda assim existe a possibilidade de o doador estar no período chamado de janela imunológica, que compreende a fase entre a infecção da pessoa e a capacidade do organismo produzir os anticorpos detectados pelos exames.
Apesar disso, já está disponível, no Brasil, o teste de detecção do material genético viral, o NAT, que reduz o tempo da janela imunológica para cerca de 7 a 10 dias e já está em uso desde 2013. Além disso, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, propôs que os exames sorológicos fossem realizados somente após o período da janela imunológica, entretanto esta proposta não foi abraçada pelo restante dos ministros durante votação.
Para estar apto a ser um doador de sangue no Brasil deve-se ter um documento original, com foto, dentro do prazo de validade, pesar mais que 50 Kg, ter entre 16 e 69 anos de idade, estar em boas condições de saúde, não ingerir comida muito gordurosa nas 3 horas que antecedem a doação, não ingerir bebida alcoólica até 12 horas antes de doar e não ter risco elevado para doenças transmissíveis pelo sangue.
Neste risco incluem-se os usuários de drogas injetáveis, indivíduos com múltiplos parceiros sexuais, ou que recebem drogas ou dinheiro por sexo, HSH e mulheres que fazem sexo com estes.
O fato que torna o impedimento dos HSH e da população LGBTQIA+ de doar sangue um ato discriminatório é que, para um heterossexual, até 3 parceiros sexuais, durante os últimos 12 meses, não o suspende de realizar a doação. Enquanto isto, um indivíduo em um relacionamento homoafetivo monogâmico há mais de 12 meses não pode ser um doador e precisará abster-se sexualmente durante um ano para ser considerado apto a doar.
De acordo com o estudo “Comportamento, atitudes, práticas e prevalência de HIV e sífilis entre homens que fazem sexo com homens (HSH) em 10 cidades brasileiras”, coordenado pela médica Lígia Kerr e financiada pelo Ministério da Saúde, a prevalência do vírus HIV é de 10,5% entre a população de gays, HSH e travestis. Enquanto isso, na população geral, este valor é significativamente menor, 0,42%, sendo de 0,32% entre as mulheres e de 0,52% entre os homens.
Em outra pesquisa, publicada em 2010 na versão online do International Journal of Epidemiology, foi demonstrado que o risco de transmissão do vírus HIV durante uma relação sexual anal pode ser 18 vezes superior ao de uma relação sexual vaginal. “Este tipo de ato pode aumentar o número de lesões na mucosa da região, e esse aumento de lesões fragiliza a proteção. Pior ainda quando há o contato do sangue com o sêmen contaminado”. Entretanto, tal fato não deveria limitar-se somente à população LGBTQIA+ e aos HSH, mas, também, às mulheres que praticam sexo anal e seus parceiros.
Deve ser compreendido que os comportamentos, associados a maior risco e vulnerabilidade, adotados pela população LGBTQIA+, não devem ser presumidos como decorrência da vontade pessoal.
A homofobia e a transfobia impactam negativamente a autoestima desses indivíduos e resultam, normalmente, em exclusão familiar, social e educacional, o que gera grande dificuldade de inclusão na sociedade e no mercado de trabalho.
Esta marginalização leva, por vezes, à prostituição, e a outros comportamentos de risco, como alternativa de retorno financeiro de mulheres trans e travestis. Segundo o presidente da ABGLT, se essas pessoas pudessem namorar dentro de casa ou em espaços públicos, sem sofrer represália, possivelmente não teriam relações sexuais de forma escondida e, muitas vezes, desprotegida.
A prevalência do HIV, de fato, é maior entre a população homossexual, HSH, trans e travesti. Entretanto, isso não é consequência da vontade direta desses indivíduos, pois estão inseridos em um contexto social de maior suscetibilidade à infecção.
WHO. Blood Donor Selection: Guidelines on Assessing Donor Suitability for Blood Donation. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/76724/9789241548519_eng.pdf?sequence=1>. Acesso em: 06 de junho de 2019
Jota Justiça. Em ação no STF, OMS reconhece desatualização sobre doação de sangue por gays. Disponível em: <https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/em-acao-no-stf-oms-reconhece-desatualizacao-sobre-doacao-de-sangue-por-gays-27072018>. Acesso em: 06 de junho de 2019
Folha de S. Paulo. Entenda porque os gays no Brasil sofrem restrição na doação de sangue. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1934835-entenda-porque-os-gays-no-brasil-sofrem-restricao-na-doacao-de-sangue.shtml>. Acesso em: 06 de junho de 2019
Folha de S. Paulo. Restrição a gay doador de sangue não tem consenso entre médicos. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1934834-restricao-a-gay-doador-de-sangue-nao-tem-consenso-entre-medicos.shtml>. Acesso em: 07 de junho de 2019
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Pragmatismo. JusBrasil. Homossexuais não podem doar sangue no Brasil? Disponível em: <https://pragmatismo.jusbrasil.com.br/noticias/129525650/homossexuais-nao-podem-doar-sangue-no-brasil#>. Acesso em: 07 de junho de 2019
Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Inviável ADI contra portaria do Ministério da Saúde que regulamenta procedimentos para doação de sangue. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=404714>. Acesso em: 07 de junho de 2019.
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